Pedro Porfírio
Prepare seu coração porque estão falando com muita insistência sobre uma terceira "reforma da previdência". E, pelo visto, boa coisa não vem por aí, apesar de uma ligeira mudança no discurso do presidente Luiz Inácio. Enquanto ameaçam com novas amputações nos direitos garantidos pela previdência pública, os fundos de pensão complementar começam a dar sinais de insegurança e os planos privados de aposentadoria, geridos pelos grandes bancos, festejam um inchaço de fazer inveja.
Particularmente, por mais que especule, não sei o que podem fazer desfigurar mais ainda o sistema público de previdência, que é o único que funciona com 100% de segurança e se algum problema registra é decorrente de más gestões e de uma estrutura paquidérmica, que torna seu controle interno praticamente impossível. Pelo que observei ao longo desses últimos anos, há interesses poderosos mobilizados para obter ganhos com o esvaziamento da previdência pública, que contam com aliados em todos os governos e no Congresso.
Quem faz a festa
Essa ofensiva contra o modelo de previdência que adotamos, baseado na solidariedade entre gerações, acontece em vários países do mundo. Há todo um arcabouço de captação de poupança de olho nos sonhos de uma aposentadoria digna, que minimize as perdas com a aposentadoria.
Com isso os bancos aumentam sua arrecadação neste segmento e vendem cada vez mais planos especiais de previdência privada, ou produtos do tipo PGBL e VGBL, cobrando boas taxas para administrar o seu patrimônio.
É bom que você observe que o próprio Tesouro, que se apropria de boa parte das rubricas destinadas à previdência pública, abre mão de 12% do Imposto de Renda devido para que esses valores sejam desviados para os fundos privados de previdência.
Temos aí, para ser didático, uma "jogada ensaiada": recursos como a contribuição sobre o líquido das empresas e Cofins, que se destinaram ao caixa previdenciário, são retidos no Ministério da Fazenda; ao mesmo tempo, 12% do que iria para a arrecadação com o Imposto de Renda vão para os fundos privados.
Quem não sabe do amanhã
Já os fundos de aposentadoria complementar, como no caso do Aerus, deixam de cumprir suas obrigações com seus participantes em função de problemas com as empresas patrocinadoras e os aposentados não têm para quem apelar, já que eles são autorizados a captar recursos sem as garantias de um resseguro, como acontece nos Estados Unidos. Quem pensa que os fundos que levam ao desespero aposentados da Varig, Transbrasil e Vasp são os únicos em crise, não tem idéia do que acontece de fato.
E não é por acaso de fundos poderosos, como o Petrus, o segundo maior do País, investem pesado na revisão do seu contrato: a partir de agora, mais de 70% dos seus participantes estão trocando o plano de "benefício definido" pelo da "contribuição definida", isto é, a certeza de que teriam 90% do salário ao aposentar-se pela incerteza ampla, geral e irrestrita.
Sobre a aposentadoria complementar, o advogado Roberto Mohamed fez um oportuno alerta em artigo publicado no "Monitor Mercantil":
O sistema fechado é hoje sinônimo de impunidade, irresponsabilidade e tráfico de influências políticas ou financeiras. Até os fundos patrocinados por empresas privadas apresentam problemas, como é o caso do Aerus, integrado pelos funcionários do Grupo Varig. Sucessões de intervenções desastrosas e diretorias desonestas levaram a insegurança a se tornar cotidiana na vida de milhares de aposentados que dependem desses fundos para seu sustento e de suas famílias. Mas quem é o grande responsável por isso?
O Portus, fundo de pensão dos empregados das companhias Docas, quase todas estatais controladas pela União, é o maior exemplo da irresponsabilidade coletiva na administração do patrimônio popular. Administrado por uma mesma diretoria por oito anos, o fundo foi alvo de duas auditorias da SPC. Na última, os auditores expressamente pediram o afastamento da diretoria após detectar mais de R$ 250 milhões desviados do patrimônio da entidade.
E o que fez a SPC? Advertiu a diretoria pelo Diário Oficial. Foi preciso a denúncia dos sindicatos e da imprensa para que a diretoria fosse afastada e um interventor nomeado. Descobriu-se que o rombo chegava a mais de R$ 400 milhões em investimentos mais que suspeitos. A penalidade aplicada aos diretores? Multas de R$ 6 mil para cada um. O Ministério Público Federal, instado a abrir inquérito para apuração de responsabilidades, manifestou-se em dúvida se haveria dano ao patrimônio público e o inquérito encontra-se parado aguardando o julgamento dos recursos administrativos dos ex-diretores na SPC.
É difícil entender como lesar o patrimônio de quase 15 mil portuários e suas famílias, cidadãos que confiaram no sistema de previdência complementar fiscalizado pelo governo, não é considerado crime contra a economia popular pelo MP. Ou será que o Ministério Público não defende mais os interesses difusos e coletivos? Mas o que importa é que, com essa omissão e com a lentidão da SPC, quem vem pagando a conta são os trabalhadores portuários aposentados". Para além do calote do Aerus, há toda uma crise latente nos fundos complementares, na medida em que sua existência já está associada ao desempenho das empresas patrocinadoras: se essas derrapam, infelizmente, os primeiros a sofrerem as conseqüências são os aposentados. Pode?
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