O crescimento econômico e o mercado de capitais
Ricardo Junqueira - Valor Online
A atual discussão econômica é a direção do fluxo de capital. Contrariando o conceito clássico econômico, o capital está migrando dos países ricos para os países em desenvolvimento. Em resumo, o processo de globalização e especialização transfere a produção industrial para os países mais pobres que conseguem aumentar suas reservas, e que, por sua vez, financiam os déficits dos países desenvolvidos.
A situação nos traz um equilíbrio instável: o desenvolvimento do mercado interno dos países emergentes reduziria o financiamento dos déficits de países ricos, que sofreriam ajustes nos preços e no nível de atividade. No entanto, pesquisas mostram que o desenvolvimento do mercado interno dos países emergentes ainda é baixo apesar do aumento do fluxo de capital externo.
O estudo de Prasad, Rajan e Subramanian, do Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI), sugere que a ineficiência do mercado de capitais desses países resulta em baixas taxas de crescimento do mercado interno, em conseqüência da má distribuição de capital. Infelizmente, o Brasil faz parte deste rol de países, apesar de termos um mercado financeiro desenvolvido, herança de duas décadas de inflação. O que explicaria, no caso, a percepção de ineficiência do mercado de capitais brasileiro? Três razões reforçam esta idéia.
A primeira é o tamanho do governo que, além de grande, mantém um orçamento engessado que tem de ser financiado a qualquer custo. Para ser financiado, tem de manter uma demanda cativa. O exemplo mais recente de eliminar a concorrência foi a isenção dos investidores estrangeiros em pagar o imposto sobre juros dos títulos públicos federais. Logo, um título privado tem de adicionar a seu rendimento a parcela correspondente a parcela correspondente à alíquota sobre o imposto de ganho de capital para se equiparar ao título público federal.
A segunda é a falta de transparência das empresas, que apesar da atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) cada dia mais vigilante e equipada e a campanha da Bovespa em aumentar a governança corporativa, as empresas de uma forma geral não compreenderam que o aumento da transparência reduz o custo de capital, principalmente nas empresas de pequeno e médio porte, que alimentam o ranço de que governança é privilégio de grandes empresas.
A terceira a razão é que não existe no Brasil um mercado de títulos vencidos. A legislação brasileira ainda não sabe o que fazer com um título privado em "default", isto é, percebido pela Instrução 409, que rege os fundos de investimentos, que não permite manter posição em um título vencido e exige que a negociação dos ativos seja realizada nas bolsas, retirando dos livros de negociação os títulos vencidos, que passam a ser créditos diretos contra a empresa emissora, de difícil negociação. Em resumo, se for difícil sair da posição, por que entrar?
Apesar do mercado financeiro brasileiro ter uma estrutura desenvolvida, comprovada pelos sistemas de custódia privado e público melhores do que os usados pelos sistemas internacionais, a capacidade do sistema bancário fazer encontro de contas em 24 horas e da diversidade de instrumentos financeiros brasileiros em relação a seus países pares no cenário global, ter instrumentos financeiros desenvolvidos em relação aos seus pares no cenário global, o nosso mercado de capitais privado não é desenvolvido.
Todo esse aparato nasceu da necessidade de financiar o aumento do tamanho do governo ao longo das décadas. O crescimento do setor privado foi latente e paralelo a essa necessidade, já que o maior tomador de recursos, durante décadas e décadas, foi o governo federal. Sob esta ótica, o que temos são ferramentas de financiamento público federal desenvolvidos, mas não um mercado de capitais forte, que ainda necessita de uma cultura empresarial mais voltada para o investidor e uma legislação que facilite a negociação de ferramentas de financiamento do setor privado.
Essa conjugação de fatores reduz a demanda por títulos privados, porém a experiência de um mercado de títulos existe e a conclusão em relação à tese do trabalho mencionado é que, desatando os nós - e com os mecanismos que já possuímos - o crescimento do nosso mercado interno seria rápido. Teríamos, enfim, chances de alcançar um crescimento sustentado.
O fortalecimento do mercado de capitais possibilita a absorção de recursos que iriam financiar déficits de outros países. Com isso, teríamos a geração de empregos, maior consumo interno, poupança crescente para geração de investimentos, possibilitando alcançar o crescimento auto-sustentado.
Ricardo Junqueira é sócio-gestor da Ático Asset Management
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