Por Vera Rita de Mello Ferreira*
EXAME
Quem cuida das próprias finanças deve estar começando a se familiarizar com dados da psicologia econômica, finanças comportamentais e até da neuroeconomia. Todas essas disciplinas pesquisam a influência de fatores psicológicos na forma como tomamos decisões. Quando se trata de ganhar – ou, o que é mais doloroso, perder – dinheiro, interessa conhecer o máximo possível a respeito de como funcionamos diante dessas perspectivas.
Grande parte destes estudos aborda as limitações cognitivas, isto é, aquelas que podem atrapalhar o processamento mental de informações. Herbert Simon (Nobel de Economia, 1978) defendia que, ao contrário do que supõe a economia, nossa racionalidade é limitada – ou seja, não tendo condições para obter ou examinar todos os dados necessários a uma decisão "ótima", simplificamos nosso caminho e trocamos o "ótimo" pelo "satisfatório". Daniel Kahneman (psicólogo econômico, Nobel de Economia, 2002), verificou, em situações de laboratório, como as pessoas se posicionam frente a problemas de escolha parecidos com os da vida real. Ele identificou uma série de "regras de bolso", ou atalhos mentais, que adotamos para facilitar nossas percepções e avaliações. Essas regras produzem vieses que podem nos conduzir a equívocos e prejuízos financeiros. Contratar um empréstimo contando com ganhos futuros superestimados, que não se realizam e deixam um rastro de juros altos e inadimplência, é apenas um exemplo dessa dinâmica.
Mas seria possível aprender com experiências malsucedidas e evitar perdas? Sim, desde que seja possível examinar a situação de forma realista e isenta para saber o que aconteceu de fato. E é aí que mora o perigo: tendemos a considerar como verdadeiro só aquilo que nos agrada – mesmo que não seja real – e procuramos ignorar, sistematicamente, tudo que vai contra nossos desejos e expectativas. Tentamos escapar do que nos frustra.
No artigo Made sense and remembered sense: sensemaking through abduction (Journal of Economic Psychology, dez., 2000), Lundberg estudou processos de raciocínio de profissionais do mercado financeiro – gente que é especialista, portanto, em tomar decisões econômicas, com conhecimento e quilometragem no assunto. Uma de suas conclusões foi que os operadores apresentavam importantes diferenças no sentido que atribuíam aos seus raciocínios posteriormente. Ou seja, na hora de escolher, procuravam entender a situação da melhor forma possível, com os dados de que dispunham. Mas, quando indagados, depois de conhecer os resultados de suas decisões, tendiam a alterar suas lembranças, acreditando que tinham acertado. Se tivessem dado um fora, "douravam a pílula", mesmo sem se dar conta, e podiam não admitir que o equívoco tivesse acontecido.
Para aprender com a experiência, é preciso seguir caminho inverso. Ou seja, primeiro, deve-se olhar o que funcionou e, especialmente, o que não deu certo. Depois, com alguma disciplina, acompanhar a seqüência dos acontecimentos no longo prazo, a fim de reunir mais dados para comparação e análise. Por fim, alargar os horizontes para detectar novos elementos que podem trazer oportunidade ou risco – sempre procurando administrar os sentimentos chatos que acompanham as frustrações. O que se ganha com isso? A chance de acertar mais no presente e no futuro.
*Vera Rita de Mello Ferreira é psicanalista, consultora na área psico-econômica, professora do curso "Psicanálise e Psicologia Econômica" e representante no Brasil da International Association for Research in Economic Psychology (IAREP).
Um comentário:
Quem nunca se sentiu apegado a NÃO vender uma ação que caiu rapidamente, quando se esperava lucro? OU Por outro lado, quem nunca vendeu uma ação RAPIDAMENTE para realizar lucro, por medo de "perder a oportunidade", mesmo tendo evidências claras que o potencial de alta era maior! MUITOS DE NÓS, não é verdade? Portanto vale a leitura de mais um texto sobre Finanças Comportamentaisque, pois trata de um conceito interessante: CONTABILIDADE MENTAL.
Percepção de sucesso financeiro é ligada à satisfação pessoal
Você tem certeza de que faz seus cálculos usando calculadora, Excel ou, até mesmo, o velho lápis e papel? O economista comportamental Richard Thaler garante que estas não são as únicas ferramentas que usamos quando fazemos contas. Para ele, que criou o conceito de "contas, ou contabilidade, mentais", outros fatores entram em jogo quando pensamos em quanto ganhamos, gastamos, temos ou viremos a ter, no valor do que compramos e usamos. No artigo "Invest now, drink later, spend never: on the mental accounting of delayed consumption", com Eldar Shafir (Journal of Economic Psychology, outubro, 2006), exemplos simples são apresentados e podem nos intrigar no que possuem, para todos nós, de corriqueiro.
Eles desenvolveram uma pesquisa com colecionadores de vinhos finos, formulando perguntas como: supondo que você tenha comprado uma caixa de Bordeaux 1982, no mercado futuro, por US$ 20 a garrafa há alguns anos e, agora, o mesmo vinho custa US$ 75 a garrafa, como você se sentiria nos seguintes casos - ao presentear um amigo com ela; ao tomar o vinho; se, por acaso, quebrasse uma garrafa acidentalmente. As cinco respostas que surgiram para os primeiros dois casos (presentear ou saborear o vinho) se distribuíram de maneira mais ou menos homogênea: "tenho a impressão de que a garrafa me saiu de graça, já que paguei por ela há tanto tempo"; "parece que me custou só US$ 20, que é o que me lembro de ter pago"; "talvez como se custasse US$ 20, mais os juros sobre esse valor" (quem disse isso deve ser contador profissional!); "sinto como se custasse US$ 75, que é o valor que eu teria que desembolsar agora para substituí-la"; "a sensação é de estar economizando US$ 55, porque estou dando, ou tomando, uma garrafa de US$ 75 que, na verdade, custou-me apenas US$ 20".
No entanto, caso a garrafa se quebrasse acidentalmente, a maior parte das respostas à questão "quanto você sentiria que teria perdido agora?", expressou um sentimento de perda no valor de US$ 75. Neste caso, o que ficou "saliente", para usar a expressão dos autores, foi o custo de substituição, diferentemente dos dois primeiros casos. Ou seja, muitos que haviam considerado a conta "fechada" nas situações de presentear ou tomar o vinho - já tinham pago e o gasto quase não tinha mais importância, depois de tanto tempo - experimentavam, agora, uma espécie de "ressurreição do valor", como se a conta tivesse sido reaberta e reativada. Ao complementar a pesquisa, mais tarde, com a pergunta "como você se sente ao comprar uma caixa de vinho, agora, por US$ 400 que, quando for enviada, já valerá US$ 500, mas você só vai beber daqui a 10 anos?", a maioria respondeu como se estivesse fazendo um tipo de investimento. Isso levou os pesquisadores a concluir que é possível sentir o gasto como investimento e, ao saborear (ou dar de presente) anos mais tarde, o sentimento é de que não custou nada - daí o título do artigo: invista agora, beba mais tarde, não gaste nunca!
Assim, consumir uma coisa que foi adquirida muito tempo antes pode ser sentido como se fosse grátis ou, até mesmo, como se estivesse economizando dinheiro. Da mesma forma, compras "adiantadas", isto é, para consumo posterior, são sentidas como investimento, e não como gasto. Mas, se o item em questão não for consumido da forma esperada, ele volta a adquirir valor, na verdade, o mais alto valor, já que o parâmetro, agora, é o custo para substituí-lo.
Um outro fator que pode causar distorções na percepção de valor e, conseqüentemente, no modo como a questão será avaliada e conduzida, é a sua história. Por exemplo, depois de comprar um par de sapatos por US$ 250, você descobre que eles machucam seus pés; em outra situação, você comprou o par, que também machuca, por US$ 55; e, num terceiro caso, idem, mas numa liquidação, de US$ 250 por US$ 55. Em qual dos três cenários seria mais fácil doar aqueles sapatos, em ótimo estado, mas que você não vai ter condição de usar, porque são tão incômodos? Os mais "generosos" foram aqueles que pagaram US$ 55, com o pessoal da "pechincha" no meio, e os que pagaram US$ 250, muito mais apegados aos seus belos, porém igualmente inúteis, sapatos. Ou seja, o tom da decisão tomada parece ter sido dado por sua história.
Vale lembrar que manobras desse tipo não são captadas por calculadoras ou computadores. Em outras palavras, são operações que têm lugar no âmbito da psique, ali onde emoção e razão convivem de forma nem sempre harmônica - embora tudo se reflita diretamente na maneira como as decisões são tomadas e dinheiro, investimentos e bens, administrados.
Da mesma autora, Vera Ferreira.
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