Plus500

5.9.07

Sobre o artigo do "The Economist"

Márcio,

Eu gostei daquele artigo no "The Economist", mais pelas indagações que delineou do que propriamente por qualquer resposta que possa ter tentado apresentar.

Ele, na verdade, comentava uma linha de pesquisa de alguns economistas que tem algo a ver com a situação presente, particularmente com a bolha do mercado imobiliário (das hipotecas, em primeira instância, e depois em todos os outros instrumentos financeiros que foram sendo construídos a partir delas, como fundos diversos, derivativos e outros), cujo impacto se alastrou para outros setores.

Em grandes linhas, ele se refere a um dos grandes problemas do universo financeiro, qual seja o da medição ou da quantificação do valor de um ativo e qual o impacto que essa avaliação possa ter sobre as decisões dos agentes econômicos.

Quanto vale, por exemplo, uma carteira de empréstimos de um banco ou de uma financeira?

Se poderia dizer que tem o valor histórico, o valor de aquisição dos títulos em carteira. Ou o valor de mercado hoje. Mas que valores são esses? Se o mercado se encontrar em expansão, especialmente se esta for rápida e acentuada, a medição pelo valor histórico fica subestimada.

Mas por outro lado também não é fácil identificar quais os valores “definidos” pelo mercado.

Sucede que a subestimação do valor dos ativos não é bem-vinda, pois os agentes econômicos querem crescimento, crescimento. Os prestamistas também não a querem, pois desejam ver seus imóveis se valorizando, de preferência sempre e muito. O banco também não quer tal situação, pois seus acionistas querem retorno sobre seu investimento, e a curto prazo. Os dirigentes do banco, por outro lado, só saem ganhando se o ganho do banco for quantificado, de maneira que possa ser traduzido para eles em salários e bonificações. Dane-se o resto, eu quero levar o meu antes da virada do ano fiscal (atitude que vi em várias empresas americanas no meu tempo de Promon. Era muito importante fechar o contrato antes do fim do ano, e para isso os vendedores da empresa faziam malabarismos, muitas vezes irresponsáveis. Quando eu lhes cobrava um comportamento desses eles me diziam que o contrato se executaria no futuro, sob a responsabilidade do setor de produção e que, antes disso, eles já teriam levado seus prêmios e bônus)

Nessa linha, revela-se por toda a parte um incentivo generalizado para que se faça essa reavaliação. Uma das maneiras de fazê-lo seria através da venda de itens em carteira. Só que com esse repasse para terceiros, os títulos vão saíndo da mão dos bancos que tinham contacto direto com os clientes e passando para a mão de pessoas ou entidades que não conhecem tão bem os riscos daqueles títulos. (Ou seja, aumenta a instabilidade e a precariedade de tais mercados)

A outra maneira de fazer a valorização dos ativos é fazer ajustes na contabilidade que reconheçam tais ganhos. Sucede que tal exame e reavaliação acabam sendo feitos exatamente por profissionais que têm interesse direto no resultado deles: só ganham seus bônus se demonstram a existência de ganhos na carteira.

Tudo isso se agrava quando movimentos no mercado são entregues a sistemas automatizados de tomada de decisão de compra e venda (os gatilhos). Além de se comprometer ainda mais a atomização do mercado ( cuja estabilidade se beneficiaria de múltiplos compradores e múltiplos vendedores) o mercado sofre ainda o impacto de grandes decisões instantâneas tomadas simultâneamente por uns poucos agentes. (É o que o artigo chama de self-defeating coordinated sales).

Quando todos decidem vender ou comprar, o mercado tem aumentada a sua instabilidade e volatilidade.

Resumindo:
- O mercado funciona com informação insuficiente e reconhecida como inadequada;

- Faltando padrões comprovados e universalmente aceitos, a medição de variações nos valores se torna alvo mais fácil de manipulações, modismos e propensa a “estouros da boiada”;

- Como os agentes econômicos intermediários têm interesses pessoais e institucionais diretamente dependentes do rumo das decisões adotadas, o peso desses interesses afeta as decisões;

- Decisões são concentradas cada vez mais na mão de menos e menos agentes econômicos;

- Agentes econômicos operam muitas vezes coordenadamente e através de sistemas automatizados de decisão, que amplificam e aceleram as consequências.

Minha leitura de tudo isso revela, para mim, como certas crises são criadas, ou pelo menos agravadas, pelos próprios agentes econômicos que, dedicados à preservação de seus interesses, ignoram preceitos básicos e procedimentos seguros, buscando mecanismos inventivos e “pouco ortodoxos” que, permitindo-lhes a necessária racionalização de suas ações, maiximizem os seus ganhos “enquanto durar tal situação”. Guardadas as diferenças, tanto a bolha das empresas dot.com quanto a recente bolha do setor imobiliário têm muitos traços em comum. São versões sofisticadas daquele tipo de corrente econômica, de pirâmide, na qual os poucos que vão na frente se enriquecem à custa das perdas dos muitos que vêm atrás. E, obviamente, a pirâmide só se sustenta enquanto existem novos otários que aceitem participar dela.

Para quem opera nesses mercados acho que uma dose alta de visão crítica, conjugada com um toque muito forte de realismo é fundamental. Ganhos mirabolantes, mercados nos quais só se antevê a possibilidade de alta, e não de queda, ganhos vertiginosos devem ser encarados com frieza. (Lembro-me de uma frase famosa entre jogadores de poquer – e eu não sei jogar poquer. A frase é a seguinte: Se você entra numa roda de poquer e não sabe quem é o otário que vai ser explorado, isso quer dizer que o otário é você)

É isso aí. Vivendo e aprendendo.

Espero que alguma coisa desta meditação em voz alta possa lhe ser de alguma valia.

Um abraço

6 comentários:

mico disse...

Zarautz, parabéns pela excelente explanação.

Permita pedir um favor. Sinceramente não atinei, ainda, como se pode lançar um derivativo em cima de um crédito hipotecário. Não há dificuldade em entender o mecanismo de repasse do crédito do primeiro empréstimo que origina a hipoteca. Mas, pra mim, ainda não ficou claro qual seria o mecanismo ou engenharia financeira utilizada na "tão comentada" alavancagem tendo como base os créditos hipotecários.
Agradeço-lhe antecipadamente se puder esclarecer sobre essa minha dúvida.

Seagull disse...

Muito bom Zarautz...

na verdade o Sr desenvolveu bem o cerne da questão.

E de certa forma, eu não percebi a coisa de uma forma tão distante, apenas fiz algumas associações com o que possa estar por vir.

Obrigado pela aula!

Sempre que quiser treinar sua redação e lógica, não deixe de postar, ou então manda uma cópia para mim! :-)

Lembranças a todos
Marcio

Seagull disse...

mico,

apesar do alto nível com que ele desenvolve o raciocínio, e mesmo eu estando muito aquém de seus conhecimentos e experiência em termos de economia, a leitura do texto está bastante acessível.

Interessante este seu questionamento, com certeza, não serei o mais habilitado a responder mas posso tentar, na medida em que ele não deve ficar logado, lá dos EUA, em tempo integral no nosso blog.

Possivelmente os derivados das hipotecas que ele fez referência devem ser os títulos de securitização das dívidas, que devem estar sendo (ou tentando ser) negociados por diversas instituições do mundo afora.

Desta forma poderíamos considerar estes um "derivativo" das hipotecas com o intuito de dividir o risco de uma quebra generalizada no sistema.

Zarautz, corrija-me por gentileza se eu estiver equivocado, mas foi só isso que me veio à mente.

Vamos então aguardar ou estudar melhor o assunto, meu amigo mico!

Abs ^v^

Unknown disse...

Mas eu estou ON LINE...hehehe...

e espero ajudar com um post que coloquei lá no meu cantinho, que vou reproduzir jajá com o titulo :

Derivativos Hipotecários

http://elucubracoesgrafistas.blogspot.com/2007/09/derivativos-hipotecrios.html


Abcs a todos !

mico disse...

Banco e Seagull, muito obrigado pela preciosa e atenciosa colaboração dos amigos.

Estou tentando deglutir todo o engenho financeiro, tanto o texto do Zarautz como o do Banco, mas esbarro em alguns obstáculos, pra mim instransponíveis, como por exemplo, e que exemplo exemplar! esses tais de CDOs.

O que é isso? haveria algo similar no nosso mercado? qual a natureza e características jurídicas? haveria limite quantitativo desses CDOs em relação ao valor das hipotécas originárias?

Indagações desse tipo sempre as faço quando diante de noticias sobre grandes manobras e/ou manipulações cujos mecanismos são relativamente fáceis de entender, mas cuja quantificação e identificação dos atores são desconhecidos ou não são dados a conhecer pelo mercado.

Toda avaliação eficiente deve passar necessariamente pelo análise das quantidades e dos valores envolvidos nos eventos em pauta.

Mal comparando, até por que toda comparação é deficiente por natureza, ou mal relacionando, lembro aqui, para ilustrar a importância da quantificação, as limitações quantitaivas fixadas pelo controle de risco da CBLC em relação aos derivativos, limitando-os de acordo com os critérios abaixo, colados do www.cblc.bom.br.

Destaco o limite para lançamento das opções, que é de 40% das ações PN em circulação no mercado.

A soma dos derivativos opções, mercado à termo e emprestimo de ações não pode ultrapassar os 100% de ações pn em circulação.

Imagino eu que os derivativos lá fora emitidos com lastro nas hipotecas devem ter também algum limite institucional ou de outra ordem.

Se assim não for, os derivativos em circulação não teriam lastro algum, isto é, nenhuma garantia real que lhes garanta a execução da cobrança.

A grande incognita é: o valor dos imóveis cobre o valor dos papéis em circulação ou não?

A resposta a essa pergunta é que dará a exata dimensão do problema, mostrará a eventual fragilidade ou ineficência das garantias e apontará onde estão potencialmente os elos mais fracos e prejudicados nessa ciranda mal contada e mal quantificada.

Cansei, nem vou revisar, desculpem, mas certamente voltarei ao assunto.

Muito obrigado, amigos, pela oportuna e valiosa participação.

vou ver o tricolor faturar o galo das Altaneiras.

abração!

mico disse...

complemento à mensagem acima:

Limite para o Mercado

Além dos mercados a termo e de opções, instituídos e organizados pela Bolsa de Valores de São Paulo, cuja compensação e liquidação física e financeira é realizada pela CBLC, o BTC - serviço de empréstimo de títulos - também é considerado um mercado instituído e organizado pela CBLC.
Mercado a Termo
Totalidade das Posições: 30% das ações em circulação no mercado.
Totalidade das Posições a Descoberto: 0%.

Mercado de Opções
Totalidade das Posições: 40 % das ações em circulação no mercado.
Totalidade das Posições a Descoberto: 20% das ações em circulação no mercado.

BTC - Serviço de Empréstimo de Títulos
Totalidade das Posições: 20% das ações em circulação no mercado.
Totalidade das Posições a Descoberto: 20% das ações em circulação no mercado.

Mercado Futuro de Ações
Totalidade das Posições: 10% das ações em circulação no mercado.
Totalidade das Posições a Descoberto: 10% das ações em circulação no mercado.